domingo, 20 de maio de 2012

como jogar uma taça delicada no chão

o som é doloroso.
o vidro encosta no chão, o atrito, o contato, a força do vidro no chão, a força do chão no vidro. é terrível! quebra os ossos. dói na espinha vê-lo assim, no chão. esse vidro tão resguardado no armário, na vitrine da sala. esse vidro que segurava com panos, com luvas de algodão pra que não, não se despedaçasse, nem fosse riscado. o pano no vidro, o pano era grosso, não via, mas ele estava sendo riscado. dói o atrito do pano na superfície lisa. não era tão lisa mais, segurá-lo tantas vezes o fez menos delicado.
um dia olhei essa taça mais uma vez, rotina limpá-la, lustrá-la com aquele tal pano.
o atrito tinha feito tantos vincos já naquela superfície. o cuidado já magoava. a proteção estilhaça meu peito. a proteção aperta meu coração. meu órgão já não consegue bater de se ver preso por estas mãos. apertado por estes dedos cobertos de pano.
depois dessa dor, jogo. solto no ar um copo de anos. um corpo de anos. solto no ar, ele paira anos em minha mente. de fato, foram segundos. abro as palpebras já não é o mesmo.
partículas por todos os lados, pedaços deste objeto no chão. não vejo mais o que ele era. agora são cacos. tento calcular, tento reformular na minha mente o que eram esses corpos, pequenos corpos. impossível ver. IMPOSSÍVEL. como uma venda no meu olhar, o chão quebrou aquilo e já não me lembrei o que era que estava na minha mão, que mão? o que era aquilo?
vazio no peito,
tento reler para relembrar. quase impossível saber o que era.
só sei dizer até aí. o copo se quebrou, os cacos no chão.
não, acho que lembro o que fiz depois. na verdade estou aqui, juntando-os. tinha me esquecido. lapsos mentais.
me esqueço de novo e de novo, como começar a explicar o que fiz quando comecei a juntar estes corpos que estavam espalhados? 
é preciso muita força para lembrar, mas foi assim:
peguei um por um estes cacos. é, são cacos. não são corpos. agora os considero assim. olhei um por um: são grossos. têm uma largura. pareciam tão finos quando era uma taça. taça fina. agora olho-os de verdade. parece que vejo os vincos do sólido amorfo. as ondas da fluidez que ele possue. e QUE NINGUÉM VÊ. ninguém vê a fluidez do vidro. porque? PORQUEEEEEEEEEEEEEEEEEEE?
QUERO GRITAR PRA QUE VEJAM! HÁ FLUIDEZ NO VIDRO! PORRA! VEJAM.
os cacos fluidos e sólidos ao mesmo tempo em minha mão. não doíam porque os segurava de um jeito confortável. duas mãos postas uma do lado da outra, em concha.
agora jogo-os na mesa. na superfície dura  e segura da mesa. meu espaço rígido onde posso trabalhar com meus pedaços, de taça.
aqui estão vocês.


Um comentário:

  1. li duas vezes. na ultima, epifania do ato. do fato. senti te ler aí.
    belas palavras, teu crescimento é obvio de se ver, é amplo. é concreto.


    cacos na mesa, vamos rearranjar.
    um beijo.

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